a cortina

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Interessante observar a contraposição entre o pensamento kantiano (em linhas gerais apresentado no post anterior) e o pensamento de Hegel. Dentre várias críticas, existe a crítica hegeliana presente na sua Fenomenologia do Espírito, na qual ele expõe, no capítulo 3º, intitulado Força e Entendimento, Fenômeno e mundo supra-sensível (capítulo considerado por muitos como o mais complexo da referida obra) a tentativa do entendimento em compreender a realidade fenomênica.

O entendimento preocupa-se, inicialmente, apenas com o conceito do verdadeiro, que é o verdadeiro em-si essente, desprovido da relação com a consciência. O entendimento não pensa que, de certa forma, está contido neste resultado e, por isso, movimenta-se à vontade sem o “peso”da responsabilidade de estar interferindo no conceito do verdadeiro. O que o entendimento apresenta é que a consciência não participa deste resultado e que simplesmente capta a “essência objetiva” da coisa, isto é, ela simplesmente contempla o objeto e o apreende. A função da consciência é pegar este resultado já pronto e o apreender.

No desenvolvimento do capítulo, há a tentativa do entendimento de apreender a “lógica” presente nos momentos em que  os fenômenos se manifestam; a força, por exemplo, é um dos conceitos que servem de parâmetro para o resultado que o entendimento almeja alcançar. Além disso, através deste capítulo, Hegel tenta expor a que níveis de contradição o “entendimento” chega quando tenta compreender o movimento a partir do momento em que ele trabalha a dicotomia fenômeno (o modo como a coisa é percebida) e coisa – ou mundo supra-sensível – que, por sua vez, é regida por leis específicas e que devem ser apreendidas.

De todo modo, o que tentamos colocar aqui é a contraposição entre as duas visões. De acordo com Hegel (*), Kant permaneceu no Entendimento e não progrediu no conhecimento. Segundo ele, o momento em que Kant permaneceu, ao contrapor os fenômenos às coisas mesmas, é marcado por princípios, por leis, regras através das quais pensamos o mundo, mas as estruturas da realidade são muito mais que isso, a realidade é composta por incoerências, antinomias e contradições. Aliás, segundo Hegel, o motor do mundo são essas contradições. Isto é, além das leis, o mundo também é marcado essencialmente por essas contradições. Nesse sentido, não há contraposição entre a essência do mundo (que para Kant, seria o supra-sensível) e a sua existência (o fenômeno). Mas Kant não foi capaz de compreender essas contradições como sendo de fundamental importância, por isso as “baniu” do seu sistema.

A cortina foi colocada no outro post em referência àquela que Hegel comenta no final do capítulo. Segue a passagem:

Levanta-se, pois, essa cortina sobre o interior e dá-se o olhar do interior para dentro do interior: o homem do homônimo não-diferente que a si mesmo se repele, e se põe como interior diferente, mas para o qual também se dá, imediatamente, a não-diferenciação dos dois – a consciência-de-si. Fica patente que por trás da assim chamada cortina, que deve cobrir o interior, nada há para ver; a não ser que nós entremos lá dentro – tanto para ver como para que haja algo ali atrás que possa ser visto.

Fica a questão: admitimos o limite ou levantamos a cortina para ver se há algo?

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(*)Que divide a sua Fenomenologia em três momentos principais: Consciência – que, por sua vez, é subdividida em Certeza Sensível, Percepção e Entendimento -, Razão e Espírito.

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